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Acima apresentamos um mapeamento alguns dos diversos projetos artísticos que desenvolvem atividades nos cárceres d'América Latina. Cada projeto está assinalado com um 🕮 e as homenagens com uma ★. Para ampliar a região clique ➕ e para diminuir clique ➖

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Antologia Direito à Poesia, círculos de leitura e escrita na PFII


Dando continuidade à publicação anterior ("Direito à poesia - Jeverson Lemes reescreve Alberto Pucheu que reescreve Gottfried Benn"), apresentamos a seguir mais três poemas publicados em 2018 na “Antologia Direito à Poesia, círculos de leitura e escrita na PFII”, resultado do trabalho realizado pelo projeto Direito Poesia em uma unidade penitenciária masculina de Foz do Iguaçu.  “Fico”, escrito por Donizeti dos Santos; “Após um dia de trabalho chego em minha nova morada”, por Rafael Mendes; e “Disse disse!”, por Marlon Nunes Domeraski.  

(Ilustração de Rafael Mendes do texto “O esmagamento das gotas”, de Julio Cortázar)

 

O primeiro texto resulta de oficinas nas quais foram trabalhados poemas como “Yo fui” do espanhol Luis Cernuda e a reescrita dele pela argentina Liliana Cabrera,  documentada no filme Lunas Cautivas, de Marcia Paradiso. A discussão dessas leituras deu origem ao deslocamento temporal entre passado e presente que encontramos no primeiro verso do poema de Donizeti (“Eu sou cada poema que escrevo”).

O segundo poema nasceu de textos que abordam a temática do lugar e que revelam diferentes possibilidades do eu lírico ou do narrador relacionar-se com esse tema, a exemplo do poema XX d’O Guardador de rebanhos de Alberto Caeiro heterônimo do português Fernando Pessoa de um fragmento do romance Asco, do salvadorenho Horacio Castellanos Moya, e do poema “Minha Cidade”, da brasileira Cora Coralina. Se para Caeiro o rio da sua aldeia é mais belo que o Tejo, para Moya, San Salvador torna-se alvo de uma crítica feroz que ilustra como é possível escrever com ódio a respeito de um lugar. Já no poema de Coralina, a voz poética apresenta-se amalgamada aos lugares percorridos pelo eu lírico: as casas, os muros, as plantas e as montanhas de Goiás. Feita a proposta de um exercício a partir da leitura desses textos, Rafael Mendes compôs o seu breve e surpreendente “Após um dia de trabalho...”

Por último, o terceiro poema não é produto de nenhum exercício de escrita em especial. Seu autor o compartilhou com os demais participantes da oficina após diálogos a respeito das infinitas possibilidades de significar abertas pela literatura, tomando como exemplo o poema “O menino que carregava água na peneira” de Manoel de Barros, poeta brasileiro. Não sabemos se essa discussão inspirou a escrita do poema de Marlon ou simplesmente o animou a compartilhar algo que havia escrito anteriormente (é certo que existe uma produção de textos literários no cárcere independente das oficinas). Seja como for, nos alegra compartilhar hoje o poema de Marlon que mobilizando a sonoridade, o ritmo, e os jogos entre os ditos e os não ditos entre as personagens,  acaba por gerar expectativas n@ leit@r.

Como dizemos no texto de apresentação da “Antologia Direito à Poesia, círculos de leitura e escrita na PFII”: “Uma das principais virtudes desses escritos é o que nos revelam do que há contido na prisão: certamente experiências duras, problemáticas, mas também bom humor, engenho, senso crítico, conhecimentos múltiplos e potencialidades.”  

As duas ilustrações que acompanham a presente publicação também resultam das oficinas de 2018 do Direito à Poesia. Elas foram produzidas espontaneamente por Rafael Mendes, após uma roda de leitura que incluiu dois textos. O primeiro deles foi um fragmento do argentino Julio Cortázar, o “Esmagamento das gotas”, que mobilizou um debate sobre como a literatura pode mudar nossa visão dos fatos aparentemente banais que habitam nosso cotidiano.  A segunda ilustração foi inspirada na parábola oriental “Os seis cegos e o elefante”,  e no  debate entre os participantes da oficina sobre o caráter inevitavelmente fragmentário e inconcluso de nossas experiências, conhecimentos e linguagem.

A tradução para o espanhol de “fico!” foi feita por María Camila Osorio Ortiz e a revisão por Nathália Guereschi.  A tradução de “Após um dia de trabalho chego em minha nova morada” é de Abraham... e a revisão de Ana Nuñez. Para elxs, os mais recentes membros do Laboratório de Tradução da Unila, nossos agradecimentos.



Fico! - Donizeti dos Santos Junior 

Eu sou cada poesia que escrevo,

cada letra, representa o meu eu

que por muito tempo ficou sem voz.

Em cada risco

eu me deixo ficar,

me deixo, deixo ser,

o que eu quiser,

o que eu puder ser,

nestas linhas,

sou tudo,

sou o mundo,

sou o nada,

mas o mais importante, sou eu, eu sou!

Eu fico!

Eu estou!

Aqui!



¡Me quedo!

 Soy cada poesía que escribo,

cada letra, representa mi yo

que por mucho tiempo estuvo sin voz.

En cada trazo

me permito quedarme,

me permito, permito ser,

lo que yo quiera,

lo que pueda ser,

en estas líneas,

soy todo,

soy el mundo,

soy la nada,

pero lo más importante, soy yo, ¡yo soy!

¡Yo me quedo!

¡Yo estoy!

¡Aquí!


Após um dia de trabalho chego em minha nova morada - Rafael Mendes

 Após um dia de trabalho chego em minha nova morada, “a cela”. Realizo alguns trabalhos ali, mas encontro[1]  verdadeiro descanso em minha cama.

Muitos aqui conhecem os beliches como “JEGAS ou TÚMULOS”, eu considero ela com outros nomes, como “BAT-CAVERNA, FORTALEZA DA SOLIDÃO ou FANTÁSTICO MUNDO DE BOB”. Ali tudo se resolve, me encontro e ponho meus pensamentos em ordem. 

Luego de un día de trabajo llego a mi nueva vivienda 

Luego de un día de trabajo llego a mi nueva vivienda, “la celda”. Me dedico a algunos trabajos ahí, pero solo encuentro verdadero descanso en mi cama. 

Aquí muchos conocen las literas como “MULAS o TUMBAS”, yo prefiero llamarla con otros nombres, como “LA BATICUEVA, LA FORTALEZA DE LA SOLEDAD o EL MUNDO DE BOBBY”. Ahí todo se soluciona, me encuentro y pongo mis pensamientos en orden.


(Ilustração de Rafael Mendes do o texto “Os cegos e o elefante”)


Disse disse..!  - Marlon Nunes Domeraski

A minha mãe disse!

Pra mim

Pra mim te dizer!

 

Que o que

Eu te disser

Não é pra dizer

Pra ninguém


Porque a mãe disse!

Pra mim não dizeeer…

Nada pra ninguém!

 

Quando ela disse

Pra mim

Que o pai disse!

 

Pra ela, não

Falar nada pra ninguém

O que ele disse


Pra ela!

Que ela disse

Pra mim!

 

Não dizer nada pra ninguém!

Que era

Pra te dizer

Que o pai disse

Que mesmo que tenha


Batido o carro

Ele Te Ama Muito, Mana Linda!


Dijo que dijo! 

Mi mamá me dijo!

A mí

Que te dijera!

 

Que lo que

Yo te diga

No se lo digas

A nadie

 

Porque mamá me dijo!

Que no le dijeeera…

Nada a nadie!


Cuando me dijo

A mí

Lo que papá le dijo!

 

A ella, que no

Le contara nada a nadie

De lo que le dijo él

 

A ella!

De lo que ella me dijo

A mí!

 

Que no le dijera nada a nadie!

Que tenía

Que decirte

Que papá dijo

Que aunque hayas


Chocado el auto

Él Te Quiere Mucho, Hermana de mi corazón!