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Acima apresentamos um mapeamento alguns dos diversos projetos artísticos que desenvolvem atividades nos cárceres d'América Latina. Cada projeto está assinalado com um 🕮 e as homenagens com uma ★. Para ampliar a região clique ➕ e para diminuir clique ➖

domingo, 20 de dezembro de 2020

“Amor, nossa prisão" e as oficinas por trás do curta-metragem

Conjugando poemas e relatos de internas de um cárcere feminino com técnicas de animação em stop-motion e cut-out, o curta-metragem "Amor, nossa prisão" (2016; 5min.), dirigido por Carolina Corral Paredes, da Colectiva Editorial Hermanas en la Sombra, e produzido pela Animatitlán Studios, revela a forma como algumas mulheres em privação de liberdade vivem as relações amorosas numa penitenciária do México. Em 2018, o curta foi nomeado pela Academia Mexicana de Artes y Ciencias Cinematográficas (AMACC) para o Prêmio Ariel em sua 60ª edição. Em 2017, "Amor, nossa prisão" também recebeu uma menção especial na 15ª edição do Festival Internacional de Cine Morelia (FICM) e, durante o mesmo ano, foi selecionado, entre outros festivais, para a 15ª edição do Vancouver Latin American Film Festival (VLAFF) e para a 2ª edição do Feminist Arts Film Festival (FBAFF).


Curta-metragem completo com legendas em português

Em entrevista concedida à rede pública de televisão mexicana, a produtora Magali Rocha Donnadieu relata que a escolha em produzir uma animação partiu, por um lado, das dificuldades em acessar o espaço prisional com equipamentos de gravação audiovisual e, por outro lado, da crença de que tais dificuldades poderiam ser contornadas por essa forma de arte.  A animação, acrescenta a diretora Carolina Corral Paredes na mesma entrevista, foi “uma nova janela para entrar na prisão a partir da nossa imaginação e da imaginação das internas”. Diante dessas dificuldades, com efeito, a arte assume não apenas o papel de material de trabalho para mediar a relação com as internas, mas também funciona como “a chave de entrada junto às autoridades penitenciárias enquanto Elena de Hoyo Pérez forma de reconhecimento da realidade”, tal como explica a poeta, socióloga e editora Elena de Hoyo Pérez, co-fundadora da Colectiva Editorial Hermanas en la Sombra e uma das coordenadoras das oficinas de literatura por trás de "Amor, nossa prisão" (1).



Com “Amor, nossa prisão”, Carolina Corral explora o uso do audiovisual para divulgar os processos de escrita criativa desenvolvidos pelas internas nas oficinas coordenadas pela Colectiva Hermanas en la Sombra. A Colectiva, aliás, tem suas origens nas oficinas literárias ministradas por Elena de Hoyos, em 2007, no Centro de Readaptação Social feminino de Atlacholoaya (Cereso) no munícipio de Xochitepec, no Estado de Morelos (México). Nessa primeira etapa, entre 2007 e 2008, foi desenvolvido o projeto “Mujer, escribir cambia tu vida”, dando assim início à formação de uma comunidade de leitoras e escritoras que participaram da publicação de 19 números da revista penitenciária mensal Y ahora qué sigue... Os textos produzidos pelas internas contribuíram para que elas se ressignificassem individual e coletivamente: 

Escrever na prisão representa lavar o estigma e ressignificar os fatos para criar uma identidade renovada pela visão interna. Quando nós mulheres aprendemos a nos ver através da nossa escrita, a percepção do cárcere se transforma e aprendemos a ser responsáveis por nós mesmas.  É por isso que a escrita cumpre um papel tão importante na construção de identidades autônomas para a emancipação de padrões de violência e propensão ao abuso.

Ao exercer o direito à palavra escrita, as mulheres, desde si mesmas, constroem uma auto-imagem respeitável, valiosa, tornam-se capazes de expandir a própria consciência e das outras e outros através de seus escritos. Mulheres renovadas que proclamam sua grandeza como criadoras de realidades possíveis e donas de seu destino. Tudo isso criamos nesse círculo de mulheres sábias e atrevidas que empunham a palavra como emblema de liberdade e auto-responsabilidade. (2)

 

Em meados de 2008, teve início a oficina "Historias de Vida", coordenado pela antropóloga Rosalva Aída Hernández Castillo, que resultou no livro Bajo la sombra del guamúchil. Historias de vida de mujeres indígenas y campesinas en prisión (2010) e em um documentário homônimo (2010; 40 min.). Posteriormente, ao unir-se à equipe a antropóloga visual Carolina Corral Paredes, foram produzidos o documentário "Semillas de Guamúchil" (2016; 17 min.) e a série radiofônica "Cantos desde el Guamúchil” (2016) nos quais se aborda o impacto da escrita identitária com mulheres em privação de liberdade. Essas produções literárias e audiovisuais foram fundamentais para denunciar o racismo do sistema judicial mexicano e pressionar para a revisão dos processos de mulheres indígenas cujas histórias foram contadas no livro Bajo la sombra de guamúchil, sendo que nove das treze mulheres indígenas que participaram do projeto foram liberadas após essa revisão. 

Em 2011, a editora e poeta Marina Ruiz se junta à equipe ministrando a oficina “Historias de vida, libros artesanales y construcción de identidades a través de la escritura”. É nesse momento que o nome “Colectiva Editorial Hermanas en la Sombra” é eleito para designar o esforço coletivo de todas essas mulheres. À equipe se uniram posteriormente a tradutora e escritora María Vinós, as antropólogas Marcia Trejo e Daniela Mondragón, e um grupo ativo de escritoras ex-presidiárias formado por Susuki Lee Camacho, Marisol Hernández del Águila, Manon Vázquez, Florencia Noble, Valentina Castro, Marce Varela e Alejandra Reynosa.

Até hoje, a Colectiva publicou 17 livros escritos, editados e projetados por mulheres reclusas e por mulheres que já ganharam a liberdade. Dentre dessas muitas publicações, destacamos especialmente a Colección Revelación Intramuros (2013), composta pelas obras Divinas ausentes. Antología poética de mujeres en reclusión; Bitácora del destierro. Narrativas de mujeres en prisión e Libertad Anticipada. Intervención feminista de escritura en espacios penitenciarios; destacamos também os livros Resistencias penitenciarias. Investigación activista en espacios de reclusión (2017), La esperanza es un epicentro (2019) e o mais recente, elaborado em diálogo com organizações de familiares de desaparecidos, Nadie detiene el amor (2020).



É importante lembrar que o trabalho da Colectiva Hermanas en la Sombra se dá no contexto da política de guerra às drogas no México, política efetivada via militarização de territórios, criminalização de populações e encarceramento em massa, e que teve um dos seus principais marcos históricos na trágica repressão em San Salvador Atenco y Texcoco em 2006. Tendo isso em vista, a história e atuação da Colectiva torna-se ainda mais urgente e inspiradora em sua luta pelos direitos humanos, pelos direitos das mulheres e dos povos indígenas e camponeses. Dentre suas múltiplas frentes de resistência, o Hermanas en la Sombra é responsável por publicar obras fundamentais para todas as pessoas que se dedicam a promover oficinas literárias no cárcere. 

Com a disponibilização da curta-metragem "Amor, nossa prisão" legendado em português, o blog A escrita e o fora espera contribuir para a ampliação da circulação deste valioso trabalho.



(1) (2): HERNÁNDEZ, Aída. HOYOS, Elena de. RUIZ, Marina. Libertad anticipada. Intervención feminista de escritura en espacios  penitenciarios. Colección Intramuros, 1° ed. Cuernavaca, Morelos : Astrolabio, 2013. p. 17; p. 32-3.