terça-feira, 5 de novembro de 2024

A Red Feminista Anticarcelaria de América Latina lê Direito à poesia - primeira entrega

Poemas escritos em português, nas penitenciárias de Foz do Iguaçu, se expandem em espanhol, em diversos sotaques, vozes e corpos, graças a poetas, ativistas e acadêmiques que fazem parte da Red Feminista Anticarcelaria de América Latina

Esses poemas fazem parte do livro Antologia 2022 – Direito à Poesia, lançado na Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA) em março de 2024, em um evento que contou com a presença de quatro das autoras. Foi a primeira vez na cidade de Foz do Iguaçu que mulheres privadas de liberdade foram autorizadas a participar do lançamento de um livro.

A seguir, apresentamos a primeira entrega de uma seleção de poemas do livro, em formato bilíngue, seguidos de vídeos com a leitura das versões em espanhol pelos integrantes da Rede Feminista Anticarcerária da América Latina. As traduções foram realizadas coletivamente pelo Laboratório de Tradução da UNILA.

O primeiro poema, “Libras”, de Jennifer Alecrim, foi traduzido não só do português para o espanhol, mas também de uma língua de sinais para outra, como pode ser visto nos vídeos. Em um deles, o poema é interpretado nas mãos de sua autora; no outro, nas mãos e na voz de Enith Martínez, do coletivo Algaraza do México.

O segundo poema, "Cicatriz" de Alexandro da Rosa, é lido por Joey Whitfield, autor do livro Prison Writing of Latin America e colaborador da coletiva Hermanas en la Sombra do México.

Em terceiro lugar, apresentamos três poemas breves, um de Patrícia Gomes e os outros dois de Jocimar José Heck, lidos por Incendia da coletiva Pájares entre Púas do Chile.

E finalizamos com "Levozine", de Kemylyn Rodrigues Pallas, lido por Liliana Cabrera da Coletiva Yo no fui da Argentina. A tradução do último verso do poema é de sua autoria.



                    LIBRAS 

Se eu não posso falar com minha boca 

Se eu não posso definir um leve som 

Eu me valho do que Deus me deu 

O gesto... 

Eu lhe empresto minhas mãos! 

Meus olhos seguem teus lábios 

Eu escuto os teus pensamentos 

A gente trama um encontro na 

Constelação de libras longe daqui ;)

Jennifer Alecrim


"Libras" nas mãos da autora



LIBRAS*                *Lengua brasileña de señas 

Si yo no puedo hablar con mi boca 

Si yo no puedo definir un leve sonido 

Me valgo de lo que Dios me dio 

El gesto… 

¡Te presto mis manos! 

Mis ojos siguen tus labios 

Escucho tus pensamientos 

Planeamos un encuentro en la 

Constelación de Libras, lejos de aquí ;)

Jennifer Alecrim


Enith Martínez, del colectivo Algaraza, lê "Libras"



                           CICATRIZ

Certo dia, eu estava na comarca, ou seja cadeia, 

onde vi várias pessoas 

fazendo tatuagem com máquinas 

que nunca sonhei que fosse possível fazer. 

Era feito com um motor de rádio, 

um ferrinho, 

um tubo de caneta 

e uma agulha, sem falar na tinta Xadrez 

preta para pintar roupa, 

essa era a grande máquina. 

Fui me aventurar a fazer a minha 

e, entre todas as imagens, fotos de tatuagem, 

nenhuma me chamou a atenção, 

até eu decidir tatuar o nome da minha filha, 

ou seja tatuar algo

de sentido para mim. 

Fomos procurar as letras que ficassem bonitas 

entre inúmeras letras e formatos, 

achei a que eu queria, 

passou para meu braço as letras 

e começou a tatuar. 

No começo foi uma tortura, 

pois aquela máquina

                                      estava toda desregulada.

Acho que de tanta dor, 

até o osso estava sendo tatuado. 

Ao término o braço estava todo inchado, 

mas sem arrependimento nenhum, 

pois uma marca 

ou uma cicatriz 

da pessoa que eu Amo

 estava feita no meu corpo.

                                        Alexandro da Rosa

 CICATRIZ

Un día, estaba en la comarca, o sea, en la cárcel,

donde vi a varias personas

haciéndose tatuajes con máquinas

que nunca imaginé que fuera posible hacer.

Eran hechas con un motor de radio,

un alambrecito,

un tubo de bolígrafo

y una aguja, sin mencionar la tinta

negra para pintar ropa;

esa era la supermáquina.

Me aventuré a hacerme el mío

y, entre todas las imágenes y fotos de tatuajes,

ninguna me llamó la atención,

hasta que decidí tatuarme el nombre de mi hija,

es decir, tatuarme algo 

que tuviera sentido para mí.

Fuimos a buscar las letras que se vieran bonitas.

Entre muchas letras y formatos,

encontré las que quería,

las pasaron a mi brazo 

y comenzó el tatuaje.

Al principio fue una tortura,

porque esa máquina 

                       estaba completamente desajustada.

Tanto era el dolor, 

que sentía tatuado hasta el hueso.

Al terminar, el brazo estaba todo hinchado,

pero sin ningún arrepentimiento,

porque una marca

o una cicatriz

de la persona que Amo

estaba hecha en mi cuerpo.

                                                 Alexandro da Rosa

                                                                                                                                                       

                                                           Joey Whitfield  "Cicatriz"

HAIKAIS

1.

Dia frio
Noite vazia
Saudades de seu calor

                            Patrícia Gomes

2.

Cadeia nova
O preso bagunça
A SOE vem e estoura a bomba 

                            Jocimar José Heck

3.

Animais correm
enquanto a floresta chora

                            Jocimar José Heck


HAIKUS

1.

Día frío
Noche vacía
Extraño tu calor

                                        Patrícia Gomes

2.

Cárcel nueva
El prisionero alborota
La policía SOE viene y explota la bomba 

                                        Jocimar José Heck

3.

Animales corren
mientras la selva llora

                                      Jocimar José Heck

                                                
                       
    Apresentação Incendia                                                                   Incendia  três Haikus

LEVOZINE

É um medicamento indicado

para quadros mentais
também associado a dor
em pacientes terminais
não indicado
para pacientes com hipertensão
muito menos a quem está
em fase de amamentação
aos usuários não interromper o tratamento
sem seu médico ter o conhecimento
esse remédio não deve ser partido
nem mesmo diluído
em excesso pode causar convulsão
então cuidado durante a recuperação
podendo causar problemas no coração
a quantidade pode variar também
pela idade
respeite o tratamento diminuindo
em fases seu medicamento
o paciente se sente sonolento
antes de ingerir procurar ter
o conhecimento
é indicado para pacientes com ansiedade
porém variando dependendo a idade
sempre tomar com flexibilidade
serve para o alívio de delírio,
agitação e inquietação
age principalmente no sistema nervoso
para pacientes que se sentem ansiosos
se precisar de mais orientações
procure os médicos de plantões.

Esse medicamento é contraindicado
em caso de suspeita de dengue.

Kemylyn Rodrigues Pallas

LEVOZINE

Es un medicamento indicado

para afecciones mentales
también asociado al dolor
en pacientes terminales
no recomendado
para pacientes con hipertensión
mucho menos para quien está
en periodo de lactación
A los usuarios, no interrumpir el tratamiento
sin que su médico tenga el conocimiento.
este medicamento no debe partirse
ni ser diluido
en exceso puede causar convulsión
así que tenga cuidado durante la recuperación
puede causar problemas de corazón
aunque también la cantidad puede variar
según la edad
respete el tratamiento disminuyendo
en fases el medicamento
el paciente se siente somnoliento
antes de ingerirlo busque tener
el conocimiento
es recomendado para pacientes con ansiedad
pero variando su uso según la edad
siempre tomarlo con flexibilidad
sirve para el alivio de alucinaciones
angustias y agitaciones
actúa principalmente en el sistema nervioso
para pacientes que se sienten ansiosos
si necesita más orientaciones
pregunte a su médico las recomendaciones.

Este medicamento está contraindicado
en caso de sospecha de dengue.

Kemylyn Rodrigues Pallas

Liliana Cabrera lê Levozine

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Agradecemos especialmente a Angélica Usaquin, de Direito à Poesia, que adiantou os diálogos para a gravação dos vídeos.

Nesta publicação, participaram do Laboratório de Tradução da Unila: Caterine Hernández, Daniel Lima, Leonardo Chirino, Amanda Lembeck, Janaina Pontes, Ana Laura Binsfeld Vieira, Ximena Vargas, Jadir J. Carneiro Jr, Mario Rodríguez Torres e Bruna Macedo.


sexta-feira, 5 de julho de 2024

Mulheres atrás das grades II

Nesta segunda entrada dedicada à ONG Mujeres Tras las Rejas, que trabalha com mulheres privadas de liberdade na cidade de Rosario (Argentina), compartilhamos uma entrevista com as atuais responsáveis pela oficina de poesia. Nela, Graciela Rojas, Claudia Almirón, Rosana Guardala e Lilian Alba nos contam sobre sua forma de trabalhar e entender a oficina. Após a entrevista, apresentamos uma seleção de poemas produzidos em anos anteriores nas oficinas e publicados em diferentes fanzines. Vale destacar que boa parte desses poemas é resultado de uma escrita coletiva e/ou anônima. Quer dizer, trata-se de uma proposta estético-política que se desloca dos enquadramentos individualizantes.

                                   




Para esta entrada, contamos com a colaboração de mulheres privadas de liberdade na Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu, que, também de forma coletiva, no espaço das oficinas de escrita criativa organizadas pelo projeto Direito à Poesia, realizaram a tradução da maioria dos poemas para o português.


Para a tradução, de maneira geral, foram adotados os seguintes passos: primeiro, os poemas foram lidos em voz alta em espanhol e as participantes da oficina fizeram uma tradução oral a partir do que compreendiam pela proximidade entre as línguas. Em seguida, ês oficineires ofereceram algumas explicações sobre palavras ou expressões não compreendidas e sobre o registro, por exemplo, se os termos utilizados eram gírias. A partir das diferentes versões propostas, o Laboratório de Tradução da UNILA definiu as versões finais, que foram apresentadas às participantes para sua aprovação.


Ao lado dos poemas e suas traduções aparecem alguns dos comentários (ou melhor, dos efeitos) que a leitura dos poemas das escritoras privadas de liberdade em Rosario produziram nas leitoras e tradutoras privadas de liberdade no Brasil. Da mesma forma, aparecem outras possibilidades de tradução que surgiram em voz alta durante o processo de tradução coletiva.


No caso dos poemas “Ser mãe, ser menina” e “O pecado e o perdão”, partiu-se de uma primeira tradução feita individualmente (por Mayara Nunes Correa e Gabriela da Silva de Brito, respectivamente) e depois foi feita uma revisão conjunta, em voz alta, na oficina. Os poemas “Não se pode voar com revista...” e “O cotidiano” também foram primeiro traduzidos individualmente, por Mayara Nunes Correa e Josiane Henrique, e depois revisados por integrantes do Laboratório de Tradução da UNILA, que também se encarregaram da tradução do poema “Como um encontro permanente”.

Participaram das traduções coletivas: Ana Laura Mendes, Andreia da Silva, Cassia Teixeira, Dyullian Correa, Fernanda de Souza, Iraci de Freitas, Jennifer Alecrin, Josiane Henrique, Karla Pinow, Kauana Domingues, Mayara Correa, Lucas dos Santos, Tainara Neves, Thalia Naiser, Vitoria Adão, Viviane da Cruz e Gabriela de Brito.

                                                  



Por que, dentre as oficinas que são oferecidas por Mulheres Atrás das Grades, vocês decidiram fazer uma de poesia? Como entendem a importância dessas oficinas?

Acreditamos que a poesia é uma forma de olhar, de ver as coisas de uma nova maneira, ou seja, como uma forma de parar que termina sendo habilitadora. Assim, a escrita pode ter ou não a forma de um poema, mas tem sempre essência, ritmo, música e, sem dúvida, a novidade daquilo que nasce diante dos olhos de quem escreve.

A palavra como ponte...sentir, dizer, tornar possível. A emoção é transmitida nas vozes protagonistas. A poesia é pele, grito, angústia, dúvida, pergunta, riso e nó na garganta. É o modo e a forma.

As meninas, muitas vezes, se referem às oficinas como locais de distração ou que trazem ar pra elas, dão fôlego. Isso permite que elas saiam por um instante da rotina sufocante e atemporal. O mundo simbólico que a escrita abre produz efeitos diretos em quem participa da oficina. A proposta de uma escrita particular, como a poesia, não só abre esse mundo, mas o multiplica ao procurar as palavras exatas, a frase contundente, a expressão que melhor comunica. Não é apenas um exercício de mera escrita, mas potência tudo o que não é permitido dentro dos muros, aquilo que permite caminhar para mundos imaginários, fantásticos ou paralelos num lugar cinzento e cercado de grades.


O que vocês podem nos contar sobre o funcionamento das oficinas de poesia? Poderiam nos dar alguns exemplos das atividades que já fizeram? 

As oficinas duram cerca de uma hora e meia. Preparamos o lugar e esperamos elas chegarem. Isso significa que montamos um lanche com chá, chimarrão ou alguma coisa refrescante dependendo da época do ano, e alguns biscoitos. O lanche proporciona um clima de espera, de cotidianidade, de proximidade e intimidade, que favorece o aparecimento da troca entre todes. 

Depois, apresentamos a proposta que é sempre um convite, nunca uma obrigação. A atividade traz algum texto breve, disparador ou, também em alguns casos, pode deixar de lado a leitura para dar lugar aos sentidos (olfato, audição) e, em seguida, escrever a partir dessa percepção. Uma vez que termina o processo de escrita, e se as meninas quiserem, são convidadas a compartilhar a leitura do texto que escreveram no dia. Algumas leem suas próprias produções, outras aceitam que uma companheira leia a sua. A ideia de ler os escrito sem voz alta é que elas possam se animar a se abrir e também ver que muitas vezes seus sentires são compartilhados. Esse momento geralmente é repleto de emoções desencadeadas pelos escritos. Alegria, ansiedade, medo, tristeza, nostalgia e amor se entrelaçam em um bate-papo informal em que cada uma pode expressar livremente o que um texto provocou. Falar em voz alta, de forma cotidiana e simples.

Que relevância tem para vocês publicar o resultado das oficinas? 

É muito importante para a ONG, mas acima de tudo para as mulheres privadas de sua liberdade, porque mostra que a palavra atravessa os muros e que o lugar em que estão é uma circunstância, mas o desejo e o trabalho com ela podem levá-las a outros lugares potenciais.

Reforça a ideia de poder estar em contato com o fora a partir de outro lugar, não o de “presas”, mas sim o de escritoras, autoras de uma obra coletiva.

Que seus escritos cheguem a lugares como as salas das universidades ou o Festival Internacional de Poesia, que acontece anualmente em nossa cidade. Saber que são lidas por vocês, e que vocês têm interesse em traduzir suas obras gera um estremecimento em suas realidades. Mulheres que não são vistas nem ouvidas, que vivem em um mundo paralelo ao que vive o restante da sociedade e que carregam ou carregaram estigmas sociais por estarem ali. Assim voltam a serem vistas e ouvidas, levadas em consideração, e isso dá valor à pessoa, a dignifica. É mais do que relevante, é acreditar na criação, saber ser potentes, reconhecer-se como fazedoras, mostrar-se a partir do mais profundo. A palavra nutre, abriga, acalma.

    


    Supersticiones | Superstições

No escribas tu nombre en la pared de la celda

Porque si te vas y queda tu nombre acá

Podes volver algún día

Si se te vuelca a la azúcar, libertad

Y si es yerba, traslado

Cuando te vayas no mires pa trás

Las que quedamos nos unimos en un solo aplauso     de despedida

Não escreva seu nome na parede da cela

Porque se você partir e seu nome ficar aqui

Você pode voltar algum dia

Se o açúcar derramar, é liberdade

E se for erva-mate, é transferência

Quando você partir, não olhe pra trás

Nós que ficamos nos unimos em um único aplauso de despedida


Gisela Schimpf & Daniela Dalinger
Poema do fanzine Que tu mente sea tu piloto






            Los pajaritos | Os passarinhos

En esta Unidad

todos los días los gorriones

están presos como nosotras.

Nosotras que tenemos corazón

les damos de comer.

Yo si fuera flaca

me prendería de sus alas

y me iría volando con ellos.

Nesta Unidade

todos os dias os pardais

estão presos como nós.

Nós que temos coração

damos de comer pra eles.

Eu, se fosse magra,

me prenderia nas asas deles

e sairia voando.


os pardal





das asas deles


Criação coletivaPoema do fanzine Mujeres tras las rejas


 Los gorriones son más chorros…

 Os pardais são mais ratos...

 

Los gorriones son más chorros                              que nosotras.

Te levantás dos segundos                         y se comen los fideos.

Ni lerdos ni perezosos

vienen en banda

a comer a Patricia.

           Os pardais são mais ratos do que nós

       Você levanta dois segundos e eles comem o miojo

   Como não são bobos nem nada

eles vêm em bando

comer a Patrícia.

mais lisos


 o macarrão

      Nem lerdos nem preguiçosos


gente, quem é a Patrícia?


AnônimoPoema do fanzine Mujeres tras las rejas


            Yo estuve con un policía… | Eu estive com um policial...

Yo estuve con un policía. 

Hay buenos y malos.

Estuve con las dos clases.

Nos encontramos en un lugar

donde yo no podía estar.

Yo andaba en otra, en la noche.

No era wow, pero estaba lindo.

Juntos duramos dos días.

Eu estive com um policial.

Têm bons e ruins.

Estive com os dois tipos

Nós nos encontramos em um lugar

onde eu não podia estar.

Eu estava em outra, na noite.

Não era uau, mas era bonito.

Juntos duramos dois dias.



as duas classes

na viatura? Na delegacia?



    não foi nossa que policial mais gostoso do mundo, mas está valendo


AnónimoPoema do fanzine Mujeres tras las rejas



            El encierro | O encarceramento

O trancamento, o inferno
Me entristece y nos pone mal.
Por eso hay que salir un poco
(al patio)
a tomar sol
con mis amigas
y mirar los pájaros volar,
cruzarse en los techos
de la cárcel en donde envejezco.

Me entristece e nos faz mal.

Por isso, tem que sair um pouco

(para o pátio)

pegar sol

com minhas amigas

e olhar os pássaros voar, 

se cruzar nos telhados

 do cárcere onde envelheço.




quem vai no pátio não vai pra olhar os pássaros, vai para fofocar e namorar



cruzar os telhados

Criação coletiva
Poema do fanzine Mujeres tras las rejas


            El pecado y el perdón | O pecado e o perdão

um poema picante

Hay una hermana jovata

leyendo la palabra del Señor.

Hace dos meses que no viene

y nosotras estamos enfrentadas

en otra mesa.


Tenemos mate, trapos y tijeras.

Libros, casi todos porno.

Acabamos de leer un cuento

sobre dos minas que se dan masa,

una cana con trenza y una chica

en cupé.

¡Fuego!


En la vida hay que probar todo.

Tem uma irmã velhota 

 lendo a palavra do Senhor.

 Faz dois meses que não vem

 e nós estamos sentadas frente a frente

 em outra mesa.


Temos chimarrão, tecidos e tesouras.

 Livros, quase todos pornô.

 Acabamos de ler um conto

 sobre duas minas que dão uns amassos,

  uma policial com trança e uma menina

 em um coupé. 

 Fogo!


Na vida tem que provar tudo.

   falsa profeta

    levando a palavra







                                       se amassam



cupê

Lucía Alcaraz & Rosana Esquivel
Poema do fanzine Mujeres tras las rejas





         Ser madre, ser niña | Ser mãe, ser menina

Me gustaría llevar a mi hija                                         al parque

queremos hacer tantas cosas

que no sabemos qué hacer

Jugar, correr, reír de alegría.


Quisiera salir de este lugar

para estar con mis hijos                                          y mis nietos

estamos tan tristes en este lugar

estar con los chicos te alegra todo

Fiorella despertaba a todas

—permiso chicas —                                            relinda su educación.


Cuando jugás con los nenes

sos un niño más

y eso es lo que queremos                                                  volver a ser.


Cuando vienen los hijos                             de las chicas a la visita es...

correr todo.


Los sábados hay olor                                                      a pastafrola

pizza, empanadas

es lindo verlos correr.

Eu gostaria de levar minha filha   ao parque

queremos fazer tantas coisas

que não sabemos o que fazer

Brincar, correr, rir de alegria.


Gostaria de sair desse lugar

      para estar com meus filhos                                                  e netos

estamos tão tristes neste lugar

estar com os meninos alegra tudo 

Fiorella acordava todas

— com licença meninas —             tão educada ela.


Quando você brinca com os piás 

você é uma criança a mais

 e isso é o que queremos           voltar a ser.


Quando os filhos                              das meninas vêm nas visitas é...

correria total.


Os sábados tem cheiro                    de torta de goiabada

de pizza e de empanada

é lindo ver eles correndo. 











me alegra muito




                                                                                                                     os neném

você é um menino mais


 






No dia de visita na PFF tem cheiro de mãe... 

Tem uma coisa que todo mundo faz na visita e não fala. A gente que gosta do cheiro da mãe ou gosta do cheiro do filho, pega uma peça se a gente pode. Se a gente' tiver  uma oportunidade de pegar uma peça deles, a gente pega. A minha mãe veio uma vez só nesses quatro cinco anos que eu estou aqui. A primeira coisa que eu fiz foi fazer ela tirar o top e trocar comigo... eu peguei o top dela e peguei o chinelo e dei o meu. Eu fiquei sentindo o cheiro dela no top dela até sair.


Lucía Alcaraz & Rosana Esquivel
Poema do fanzine Las Leonas




No se puede volar con requisa

Não se pode voar com revista 

No se puede volar con requisa.

Prohibido la libertad de expresión.

Imposibilidad de medicación para niños.

Empleadas verdugas, afirmado al 100 %,                                                               ok?

Chicas leonas prohibido decir basta.

Promesas, posibilidad, palabras

que parecen nubes acá adentro.

Basta de medicación,

el grupo dice basta de medicación                                                       sin nombre,

sin carne, todo el día pollo                                                           que si no hubiera

rejas en el techo saldríamos volando =)

Não se pode voar com revista 

É proibida a liberdade de expressão

Impossível remédio para os meninos

A empregada carrasca, confirmado 100%, belê? 

Meninas leoas proibido dizer chega 

Promessas, possibilidades, palavras

que parecem nuvens aqui dentro.

Chega de remédio, 

o grupo diz  chega de remédio                    sem nome,

sem carne, todos os dias tem frango          que se não tivesse

grade no telhado a gente saía voando =)



A empregada tem chicote, que está firmado a 100% OK?

Meninas leoas chega de dizer está proibido




no grupo dizem

Ana Basualdo,Cintia Giménez & Rosana Maidana.

Poema do fanzine Las Leonas



Lo cotidiano | O cotidiano

Me levanto y pongo la pava

todo el mundo hace lo mismo

y si pasa la asistente                                          le pido si necesito algo

si es un llamado o una autorización

para que nos traigan un electrodoméstico

la asistente es la caminante.


Arroz con leche

flan, flan, flan

gelatina, gelatina, gelatina

esa es la semana.


Nos despertamos y nos miramos

como diciendo hoy a quién le toca

corremos para todos lados

es un encierro muy chico.


El otro día después que estuvimos

compartiendo empanadas

fue que vino todo el lío

la acción represiva

esa es la costumbre que ellos tienen.

Eu me levanto e coloco a chaleira no fogo

todo mundo faz o mesmo

                                     e se a assistente passar               eu peço se preciso de alguma coisa

Se for uma ligação ou uma autorização

para nos trazer um eletrodoméstico

a assistente é a andadora.


Arroz doce

pudim, pudim, pudim

gelatina, gelatina, gelatina

essa é a semana.


Acordamos e olhamos uma para o outra

como se disséssemos hoje é a vez  de quem

corremos para todo lado

É um confinamento muito pequeno.


Outro dia depois de estarmos

compartilhando empanadas

foi que deu a maior confusão

a ação repressiva

Esse é o costume que eles têm.








                               Arroz com leite






     hoje de quem é a vez

uma prisão muito pequena?/é uma cela muito pequena?


Criação coletiva
Poema do fanzine Las Leonas


Como una juntada permanente

Como um encontro permanente

Es como una juntada permanente con amigas

tomamos mate charlamos

se lava se recauchuta

al fondo suena Leo y Karina

los pajaritos suben bajan la reja del cielo


la vida es como una milonga

hay que saberla bailar

la vida es como una gran anécdota

me pongo a contarla y vuela

la libertad no se toma ni en sueños


yo tuve una vida difícil

las ideas las tengo todas en la cabeza

no me las dice nadie

la abuela lee sobre bicicletas


al Agustín le gusta pintar por fuera de todo

se rompe las reglas del papel

se escribe a dos manos

en la mesa la pared la hoja

armo mi libro y lo destruyo porque es mío

Es como una juntada permanente con amigas

van a volver a entrar?

acá se paga condena

largas culpas

acá los días de nubes

somos nubes

para que salga a la luz se escribe 

-escribamos de la vida es

-escribamos un cuento para chicos

se viene el día del niño

y ellos aunque estén acá

siguen siendo niños


la culpa es un invento

mi error fue no cambiar el domicilio

y la culpa de que un niño viva acá

estoy pagando

algo que no hice


Es como una juntada

permanente

con amigas

se nos vaya en un suspiro

se caiga la bronca

toda prendida en el papel

la pared el piso

que estamos vivas

con la incertidumbre de no saber

— eso también pasa afuera

— y si hay quilombo o se prende fuego todo?

É como um encontro permanente com as amigas

tomamos chimarrão conversamos 

a gente lava dá aquela recauchutada 

ao fundo se escuta Leo e Karina 

os passarinhos sobem descem pela grade do céu 


a vida é como uma milonga 

tem que saber como dançar 

a vida é como uma grande anedota 

começo a contá-la e ela voa 

a liberdade não se alcança nem em sonhos


eu tive uma vida difícil 

as ideias tenho todas na cabeça

e ninguém me conta elas

a avó lê sobre bicicletas 


Agustín gosta de pintar saindo das margens 

ele quebra as regras do papel 

escrever com as duas mãos

na mesa na parede na folha 

monto meu livro e destruo porque é meu 

É como um encontro permanente com as amigas

será que vão voltar pra cá?

aqui é paga a sentença

longas culpas

aqui nos dias com nuvens 

somos nuvens 

para que haja luz se escreve 

— vamos escrever sobre a vida é 

— vamos escrever um conto para as crianças 

o dia das crianças está chegando 

e mesmo que estejam aqui 

continuam sendo crianças


a culpa é uma invenção 

meu erro foi não mudar de endereço

e a culpa de que uma criança more aqui 

estou pagando 

algo que eu não fiz


É como um encontro 

permanente

com amigas 

acabe num piscar de olhos

se despeje a raiva 

toda ardendo no papel

na parede no piso

que estamos vivas 

com a incerteza de não saber 

— isso também acontece lá fora 

— e se tem treta ou se toca fogo em tudo?

Criação coletiva

Poema do fanzine Las leonas

sábado, 8 de junho de 2024

Mulheres atrás das grades I


    A ONG Mulheres Atrás das Grades é uma equipe interdisciplinar que atua na Unidade Nº5 de Mulheres de Rosário, Argentina. Sua origem remonta ao ano de 2006, quando Gabriela Rojas e Raquel Migno, que cursavam um mestrado em gênero na UNR (Universidade Nacional de Rosario), escolheram abordar o cárcere de mulheres como tema de estudo e espaço de atuação, e desde então não deixaram de trabalhar nesse espaço. Com o tempo, começaram a convidar pessoas de distintas profissões a participar da equipe de trabalho e, em 2008, com o objetivo de ter um respaldo formal e fortalecer suas intervenções no território carcerário do Instituto de Recuperação de Mulheres da Unidade 5, formaram juridicamente a ONG.




Ao longo de seus quase 20 anos de existência, Mulheres Atrás das Grades vem realizando diferentes atividades de educação não formal com mulheres privadas de liberdade, incluindo uma grande diversidade de oficinas acompanhadas por profissionais da área abordada: saúde reprodutiva, sexualidade, arte, maternidade, fotografia, teatro, rádio, literatura, entre outras.

            Nessa primeira entrada dedicada a Mulheres Atrás das Grades, compartilhamos um capítulo legendado em português da série argentina Historias desde Dentro, que apresenta curtas documentais realizados para o Comitê Nacional para a Prevenção da Tortura, sobre boas práticas que são realizadas nas penitenciárias desse país. O documentário se centra na experiência de Mulheres Atrás das Grades com a Casa de Pré-egresso, um lugar de acolhimento e capacitação de mulheres com direito a saídas transitórias. A produção inclui entrevistas tanto das mulheres privadas de liberdade que participaram do projeto como das oficineiras, as quais comentam sobre a situação no espaço carcerário para mulheres de Rosário e suas experiências trabalhando em/contra esse espaço, entre outros temas. A Casa de Pré-egresso, que foi inaugurada em 2021, teve que ser fechada em 2023 devido à instabilidade política e econômica na Argentina.





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Participaram da tradução e revisão desta entrada: Caterine Hernández, Leonardo ChirinoAmanda Lembeck, Janaina Pontes, Penélope Chaves, Ana Laura Binsfeld Vieira, Ximena Vargas, Mario Rodríguez Torres y Bruna Macedo.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Mulheres Possíveis: corpo, gênero e encarceramento II

Uma página ocupada por expressões comumente usadas na prisão, que estão atrás de linhas pretas que as tacham; esse é um dos textos do livro Mulheres possíveis: corpo, gênero e encarceramento que mais chamou nossa atenção e que queríamos traduzir para o espanhol. O que nos atraiu particularmente nesse texto é que ele resistiu à nossa leitura. O texto foi escrito em um português que entendemos apenas parcialmente. Nele apareceram diversas expressões que escaparam até mesmo dos registros da internet.


                                                Fonte da imagem https://www.vaniamedeiros.com/mulheres-possiveis

Para entender o que o texto queria dizer, foi necessário que o lêssemos com pessoas que viviam no território de onde provinha. Foi assim que o levamos para uma das oficinas que Direito à poesia realiza na Penitenciária Feminina de Foz de Iguaçu e perguntamos às participantes o significado das expressões. Sua identificação com o texto foi imediata. Elas sabiam e nos explicaram o significado das expressões, embora, como nos alertaram, algumas delas sejam usadas em São Paulo, mas não em Foz.

Graças às participantes da oficina, tínhamos informações suficientes para tentar traduzir o texto, mas ainda tínhamos o problema de saber para qual espanhol traduzir. Traduzi-lo para qualquer forma de espanhol padrão traria uma transparência que acabaria com ele (não é a transparência absoluta o objetivo dos mecanismos de controle?), sem mencionar o espanhol supostamente neutro que existe apenas como um artefato de mercado para neutralizar os poderes das diferentes formas de falar no continente. Por outro lado, pareceu insuficiente traduzir o texto optando por formas coloquiais de alguma variante do espanhol, pois não deixaria de apagar suas marcas territoriais. 

Para restaurar essas marcas, contamos com a colaboração de alguns coletivos da Red Feminista Anticarcelaria de América Latina, que trabalham junto com mulheres privadas de liberdade em diferentes países do continente, como: Yo no fui de Buenos Aires, Argentina; Hermanas en la Sombra de Morelos, México, e Pájarx entre Púas de Los Andes e Valparaíso, Chile. Propusemos a tarefa de traduzir o texto, com base nas explicações que enviamos a elas sobre o significado de cada expressão em português. Os resultados podem ser vistos nesta entrada. 

Como era de esperar, as tradutoras nem sempre reconheceram expressões locais análogas às usadas no presídio do Brasil, e por isso algumas não foram traduzidas. Os espaços em branco nos textos dizem respeito a essas expressões. No caso do Chile, as tradutoras de Pájarx entre Púas nos deram mais de uma opção para traduzir algumas das expressões, e decidimos incluir a maioria dessas variantes. As companheiras de Yo No Fui, da Argentina, além de traduzir as expressões, compartilharam conosco ainda outras usadas nos presídios de Buenos Aires, as quais foram incluidas no final de sua tradução.   

O processo de diálogo e construção conjunta com as coletivas da Red Feminista Anticarcelaria de América Latina não foi apenas um enriquecimento para a tradução, mas também uma experiência de conexão e aprendizagem mútua das diferentes formas de dizer das prisões da América Latina. Convidamos cada leitora/e a mergulhar nestas páginas, não apenas como um ato de descoberta, mas também como uma oportunidade de construir pontes para outros mundos.
















Participaram da tradução e revisão desta entrada: Bruna Macedo de Oliveira Rodrigues, Mario Rodríguez Torres, Ximena Vargas, Janaina Andriolli, Caterine Hernandez Valencia, Penélope Chaves Bruera e Cristiane Checchia